Essa história me foi narrada pelo meu pai que, aos 81 anos, é cada vez mais ele mesmo. Livre das amarras da maturidade e da produtividade, dos exageros da juventude e fantasias da infância, vive seus hábitos de velho com uma serenidade sensível.
São os hábitos que o levam toda manhã para um lanche na padaria. É a sensibilidade que o faz desprezar a avalanche de coisas concretas enquanto presta atenção às irrelevâncias do cotidiano. Coisas e pessoas irrelevantes como o pobre casal de negros tomando café a seu lado. Média e pão com manteiga simples para gente com roupas surradas mas muito limpas. Havia também um menino pequeno, que o pai tratava com carinho e atenção.
- Tá quente o café com leite pai...
- Deixa o papai assoprar. Vamos, tome com cuidado.
O café era quente, mas ainda assim esfriou. O pão era pouco, mas ainda assim sobrou. A mãe pediu à garconete que embrulhasse o restante para viagem. Meu pai, sem saber muito bem porque a cena o comovia, pediu à moça que desse uma sacolinha plástica à mãe. Ela, com um sorriso quase imperceptível e um maneio de cabeça agradeceu. O homem dá a mão ao filho e à mulher.
- Vamos. Está quase na hora do meu serviço.
Os três saem caminhando pela calçada de mãos dadas. Meu pai os segue com o olhar, mas a luz do sol ofusca a visão e deixa perceber apenas suas negras silhuetas. Voltando-se para a garçonete ele pergunta: você já viu eesa família aqui antes? - Não, nunca os vi por aqui -, responde a jovem já enfiada em sua pia cheia de talheres.
É, pensa meu pai. Posso estar ficando velho mas, se não me engano, acho que acabei de conhecer a sagrada família.
2 comentários:
Feliz Natal para todos.
As sagradas famílias andam assim. É preciso sensibildade para identificá-las. E isso lhe sobra.
Um abraço.
Gilson
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