31.12.10

O fim do mundo

quando o meu mundo acabar
será o fim do meu sonho
da baba na fronha
dos destinos imperfeitos

quando o meu mundo acabar
será o fim do meu direito
do medo das perdas
dos ganhos imerecidos

quando o meu mundo acabar
será com uma profecia
dos maias que desmaiam
dos nostradamus invertidos

quando o meu mundo acabar
será tarde demais pra mim
dizer sim aos que disse não
discordar mesmo sem razão

quando o meu mundo acabar
o mundo de todos os outros...

acabará também

afinal só existirá mundo
quando eu acordar
e todos os anjos disserem

amém.

23.12.10

Uma história natalina

Essa história me foi narrada pelo meu pai que, aos 81 anos, é cada vez mais ele mesmo. Livre das amarras da maturidade e da produtividade, dos exageros da juventude e fantasias da infância, vive seus hábitos de velho com uma serenidade sensível.

São os hábitos que o levam toda manhã para um lanche na padaria. É a sensibilidade que o faz desprezar a avalanche de coisas concretas enquanto presta atenção às irrelevâncias do cotidiano. Coisas e pessoas irrelevantes como o pobre casal de negros tomando café a seu lado. Média e pão com manteiga simples para gente com roupas surradas mas muito limpas. Havia também um menino pequeno, que o pai tratava com carinho e atenção.

- Tá quente o café com leite pai...
- Deixa o papai assoprar. Vamos, tome com cuidado.

O café era quente, mas ainda assim esfriou. O pão era pouco, mas ainda assim sobrou. A mãe pediu à garconete que embrulhasse o restante para viagem. Meu pai, sem saber muito bem porque a cena o comovia, pediu à moça que desse uma sacolinha plástica à mãe. Ela, com um sorriso quase imperceptível e um maneio de cabeça agradeceu. O homem dá a mão ao filho e à mulher.

- Vamos. Está quase na hora do meu serviço.

Os três saem caminhando pela calçada de mãos dadas. Meu pai os segue com o olhar, mas a luz do sol ofusca a visão e deixa perceber apenas suas negras silhuetas. Voltando-se para a garçonete ele pergunta: você já viu eesa família aqui antes? - Não, nunca os vi por aqui -, responde a jovem já enfiada em sua pia cheia de talheres.

É, pensa meu pai. Posso estar ficando velho mas, se não me engano, acho que acabei de conhecer a sagrada família.

18.11.10

Sabedorias

sabe mal 
e porcamente
quem são os outros
não tem
a menor chance
de um conhece-te a ti mesmo
é leso
é lesmo
e triste
como todos sabemos ser
mas vive suavemente
esse passatempo
sei lá
de viver.

10.11.10

Metralha

fazer poesia como quem metralha um muro
cacos de concreto voam
perfuram olhos
abrem cabeças
as balas comem loucas
seu passado
seu futuro.

6.11.10

Lá de cima

tenho o sangue do norte
não tenho medo da morte
só temo perder
o fio
do corte
da minha palavra-facão

sou das falanges
do norte
nasci de uma forte
mulher
que era mais raça
que razão

eu sou do norte
anote aí
minha alma é nua
olha aqui
e o meu sangue
cor de açaí
escorre pelo mapa
sobre ti.

7.10.10

Autocrítica

mas eu só falo besteira
pensamentos subalternos
escondidos debaixo da cama

mas eu não tenho foco
lanterna sem pilha e lente
de aumento que só amplia o drama

mas eu não vou longe
caixinha de sonhos perdida
quando o despertador reclama.

29.9.10

O Pink e o Cérebro, o Cérebro e o Pink...

minha memória me trai
e a mente se contrai
em trejeitos dementes
naturalmente
esqueço minhas senhas
poemas
e artimanhas


sou um dilema
ambulante
ante
o fim do cérebro.

26.9.10

Filhos e festas

deixar os filhos nas festas
é como morrer um pouco
festejar o sentimento
da festa que não fomos
na alegria
daqueles que não somos

acelero o carro em direção
ao passado
sonho em ser atropelado
pelo olhar imperdoável
de cada nova
geração.

25.9.10

Audição

ouça
o ruído da corrente
elétrica
indo do interruptor
até o teto

o gato está certo

mantenha
a mente flexível
e o corpo
ereto.

23.9.10

Passagem

um dia eu vou
pra onde deveria ter ido
um dia eu sou
o que deveria ter sido
um dia eu volto
de onde nunca deveria ter
partido.

16.9.10

O céu late mais alto

Hoje nossa cachorrinha querida, Luna, nos deixou. Após quase duas semanas de luta e resistência corajosa, ela resolveu se juntar aos pais, Brutus e Kelly, no céu de nossos cachorros amados. Lá certamente irá acordar, com seu latido alto e valente, meus cães queridos do passado - Don e Bug.

Apesar da grande tristeza, fica o alívio pelo fim do seu sofrimento. Melhor guardar na memória seu som, seu cheiro, seu olhar meigo de lua cheia de emoções transparentes. Nossa Luna sempre foi como a lua, com suas fases de alegria e melancolia, cheia de atos crescentes antes do epílogo minguante.

Hoje ela é lua nova. O vazio em nosso quintal só não é maior que o de nossos corações. Brinquedos esperam para ser guardados. A ração será doada para um amigo distante.

Mas a vida segue seu curso e seu discurso. Que a morte não se ache mais uma vez invencível porque levou nossa Luna. Mal sabe ela que a Luna brilhará sempre em nosso céu de lembranças. E a cada latido alto soará o canto das nossas esperanças, abanando o rabo para o destino inevitável.

Invencíveis somos nós. Sempre vivos na eternidade da vida que só quem ama alcança.

5.9.10

Sambinha

na batida do teclado
rolam compassos

da mente aos dedos
aqui não há medos
só mesmo segredos
que insistem escondidos
entre a boca e os
ouvidos

sejam precavidos

saibam o que se diz
não acreditem nos olhos
sigam sempre
o nariz.

25.8.10

Sinopse

a vida
é dura
mas
a morte
é teimosa
e sempre chega
o dia


por isso
quem vive
de teimoso
vive com
sabedoria.

18.8.10

Embalada

uma bala é uma bala
e não me abala
o paladar
o abalo que a bala dá
é quando enrolada está


e melada faz a molecada
exclamar:
que meleca que a bala tá!
e as unhas cheias de doce
riscam na língua se limpam
nos dentes juntos
açúcar e sujeira fazem da vida
doce de brincadeira.








26.7.10

Preparo físico

correr como o rio
respirar como o vento
brilhar como o sol
parar como a montanha

a façanha
é ter a força
dos bons elementos.

12.7.10

Outros orifícios

transforme problemas em poemas
não vai adiantar nada
nem mudar sua vida
mas dá uma sensação
de pia desentupida

transmita sinais de fumaça
para uma tribo vizinha
não é a melhor comunicação
mas dá uma poluição
e parece que tudo disfarça

faça um barulho esquisito
pode ser com a boca
com o nariz
ou outro orifício
se quiser imite o mosquito

o importante é sugar
do tempo um segundo
do mundo um instante
do futuro um doravante

e vamos seguindo adiante...

25.6.10

Condensação

todas as coisas
deveriam ser escritas
no vidro frio
do box

só assim
seriam coisas
esquecidas
na umidade da vida

apagadas
no desequilíbrio
térmico
em que tudo

termina.

9.6.10

Copa na mídia

o leão boceja
sai uma propaganda
de cerveja

a corneta toca
close no traseiro
da minhoca

o sol nasce
as zebras fazem linha
de passe

o negro sorridente
vê um time amarelo lá
do oriente

até o dunga tá sereno
lamentavelmente lá vem outra copa
com galvão bueno.

9.5.10

Mãe tenho à distância

lá no céu
um sorriso de papel
numa lembrança nublada
perdi a definição de suas feições
mas suas afeições permanecem no universo

e hoje
confesso
quero te rever mãe
na próxima dobra espacial
no próximo sonho sideral

um dia
quem sabe
você vai ser
de novo

meu presente de natal.

15.4.10

Inconfidência Mineira

não diga
pra ninguém
que a gente se ama
dessa maneira
olha a inconfidência
mineira

somos mesmo
deprimentes
dois tiradentes
enforcados
esquartejados
no facão

espalhados de paixão.

11.4.10

Temporal

no
topo
coberto
barracos
de sonhos
em fantasias
desmoronam
num temporal
de irreal agonia
nosso mundo cai
na natural tragédia
que todo dia se previa

morro
não é um lugar
é uma sina
onde a história
e a natureza
se combinam.

29.3.10

Pandeiro

achei um samba
ali na esquina
inventei uma sina
e já virei bamba

quis até entrar
numa roda
de tradição
nascido quadrado
me fiz de redondo

pensei que com ferrão
logo seria marimbondo

tomei foi um tapa
bem no meio
do pandeiro

pra aprender que é na lata
que se faz um sambeiro.

17.3.10

Bermuda

meia calça
meio curta
quatro bolsos
uma luta

camiseta
sem estampa
dores no peito
a cada lembrança

meia vida
meio longa
um boné
na cabeça

zonza.

6.3.10

20.2.10

Marginal

atravessou a rua
no maior desleixo
andava solto
tipo
deixo não deixo

a correnteza
em volta
não era com ele
a turba e a pressa
passageiras
enchiam a avenida de bobagens
ligeiras

sem eira nem borda
seguiu seu desfecho
sua força
sua calma

são de cair o queixo.

12.2.10

Carnaval, bunda e alegria

a bunda se divide em duas partes:
a de dentro e a de fora

e com muita arte
parte
sem delongas
atrás do bloco
que não tem (e só tem) fantasia
para o povo cantar

a bunda se diverte em duas artes:

e o fio dental
vai fazendo a alegria
euforia na lata

para o povo catar.

8.2.10

Tergiverso

o olho da água é fundo
o sobrenome da jane é fonda
a dor do zagueiro que bate é onda

então se tudo no mundo é torto

eu tergiverso

o voo da águia é reto
o risco do raio é rápido
o ritmo da rapsódia é húngaro

então se tudo nessa vida é vítima

eu tergiverso

até que a neve não seja tão fria
o verão não se faça tão caldo
e o gol mil não pinte de pênalti

então o universo será sem esquema

e eu traveoverso.

15.1.10

Onde é o Haiti?

caetano uma vez disse
o haiti
é aqui

e desde então nunca mais eu soube
onde de fato
era o haiti

no fim do mundo que come?
ou no interior que temos
em si?

aí vem um terremoto muito
muito isso
muito aquilo
e faz o impossível
ficar pior

onde é pior do aqui
onde é que se finaliza o fim

onde é pior?

fora de nós ou dentro de cada mim?

9.1.10

Baratas

as palavras
têm vida própria

por aqui

me escapam
feitas
baratas tontas

voam

sobem
pelas paredes
vivas

de calor
sem memória

com certeza

fogem de mim
como de um frasco
de rodox.

4.1.10

Primeira pergunta

por que fazer poesia?
sinto que não devia...

mas tem gente que gosta

e

além do mais
o que fazer com essa agonia?

1.1.10

1º de janeiro

quem dera o ano seja maneiro
mas já começou barranco
rolando inteiro
matando

gente que nem bem viu o primeiro.

Reflexos

 reflito meu futuro com o olhar do passado sei que morro sei que lagoa sou sujeito à toa que a morte zoa.